sábado, março 09, 2024

Da série ‘Certas Canções’: ‘50 Anos’, com Paulinho da Viola

 

Parceria de Cristóvão Bastos e Aldir Blanc, a belíssima “50 Anos”, interpretada por Paulinho da Viola, foi a faixa-título do CD lançado em 1996 [no detalhe, a capaem homenagem ao cinquentenário de Blanc (1946 — 2020), um dos maiores letristas brasileiros.

Desde então, mesmo sem me identificar com a letra na sua totalidade, imaginei o momento em que poderia postar esta canção — com propriedade.

E eis que, finalmente, este dia chegou, meus amigos.



50 ANOS

(Cristóvão Bastos — Aldir Blanc)


Eu vim aqui prestar contas

de poucos acertos

de erros sem fim.

Eu tropecei  tanto às tontas

que acabei chegando no fundo de mim.


O filme da vida não quer despedida

e me indica: 

“Ache a saída”.

E pede socorro onde a Lua

encanta o alto do morro

e gane que nem cachorro,

correndo atrás do momento que foi vivido.


Venha de onde vier,

ninguém lembra porque quer.

Eu beijo na boca de hoje

as lágrimas de outra mulher.


Cinquenta anos são bodas de sangue —

casei com a inconstância e o prazer.

Perdoo a todos, não peço desculpas —

Foi isso que eu quis viver.


Acolho o futuro de braços abertos.

Citando Cartola:

“Eu fiz o que pude”.


Aos cinquenta anos...


Insisto na juventude.




segunda-feira, maio 24, 2021

Bob Dylan: 80 anos


Se os Beatles alçaram o rock ao status de arte, Bob Dylan foi o responsável por trazer qualidade literária ao gênero – destinado, até então, a mero entretenimento juvenil. Não por acaso, Dylan foi o único músico, em toda a história, a ser laureado (em 2016) com o Nobel de Literatura – mesmo tendo escrito apenas dois livros. Não se enganem: ele sempre usou a música como veículo para a sua poesia altamente sofisticada. Suas letras nada devem a poemas de Baudelaire, Rimbaud, Walt Whitman ou mesmo Shakespeare.

Ao longo de sua trajetória, "trocou de pele" inúmeras vezes. Indignou os puristas do folk ao eletrificar seu som. Rejeitou o rótulo de "profeta" e tornou-se recluso. Abraçou o country, sob as bênçãos de seu ídolo Johnny Cash. Com o rosto pintado de branco ao estilo Kabuki, voltou à estrada em uma turnê mambembe. Judeu, converteu-se ao cristianismo e gravou três álbuns com temática religiosa. E, por fim, retornou às canções seculares.

Praticamente ninguém na música pop escapou de sua influência. O rap é um grande exemplo: na década de 1960, Dylan já discursava ferozmente em "It's Alright, Ma (I'm Only Bleeding)" e "Subterranean Homesick Blues". Os já citados Beatles começaram a prestar mais atenção às letras de suas canções após uma dica de Dylan. E muitos, por sinal, nunca negaram ser "discípulos" do bardo – como Bruce Springsteen, Neil Young, Zé Ramalho e os saudosos Belchior e Raul Seixas, entre outros.

Nos 60 anos de carreira discográfica que completará no ano que vem, Dylan editou 39 álbuns de estúdio – o mais recente, o ótimo Rough and Rowdy Ways, foi lançado em 2020 – que merecem não apenas serem ouvidos, mas também... lidos. Aliás, esta é a melhor homenagem que poderemos prestar ao poeta, que chega hoje aos 80 anos de idade: ouvir e ler os seus discos. E desfrutar do enorme privilégio que é tê-lo entre nós.

Todas as flores em vida para este homem.


segunda-feira, abril 19, 2021

Roberto Carlos: 80 anos

 

Por ocasião dos 80 anos que Roberto Carlos completa hoje, eu poderia destacar a sua (imensurável) importância para a música popular brasileira. Ele foi um dos precursores do rock nacional – influenciando, inclusive, o surgimento do Tropicalismo – e foi um dos primeiros a gravar soul music por estas plagas – a irresistível "Não Vou Ficar", do ainda iniciante Tim Maia. Posteriormente, tornou-se um crooner de orquestra à moda Sinatra, consolidando-se como o maior ídolo musical do país.

Enfim, eu poderia – com o perdão do trocadilho – detalhar a relevância de seu legado para a cultura nacional. Mas, sinceramente, prefiro dizer, comovido, o quanto Roberto Carlos foi e continua sendo importante... para mim.

As canções de Roberto estão entrelaçadas na minha trajetória de vida. Desde sempre. E de modo irreversível. Minhas lembranças mais ancestrais; os Natais em família – a voz dele sempre foi a trilha sonora. Os anos se passaram. Cresci. E o Rei permaneceu "presente" nos momentos marcantes da minha história. Como um parente ou um amigo muito próximo. Tanto que, se perguntarem em que ano uma determinada faixa dele – por mais obscura que seja – foi lançada, respondo sem precisar recorrer ao Google.

Seja falando de amor, de fé ou compartilhando os seus momentos mais tristes, Roberto, ao lado do Tremendão Erasmo Carlos – outra figura fundamental da nossa música –, sempre soube tocar o coração de cada pessoa. Sua narrativa é clara, objetiva, de fácil compreensão para todos, mas nem por isso desprovida de profundidade e sentimento.

Como se não bastasse a excelência como artista, RC também se tornou um exemplo para mim como ser humano. Inúmeros episódios atestam: o Rei é um homem nobre, de coração enorme. Bom pai. Bom filho. Bom patrão. Amigo sincero dos amigos. Mas que não abre mão de manter os seus gestos de altruísmo em sigilo. Como deve ser.

Portanto, agradeço por ele ter escolhido essa profissão – e ser tão brilhante nela. Agradeço por cada sorriso, cada lágrima e cada ensinamento que proporcionou a milhões de pessoas – entre as quais, obviamente, me incluo – ao longo de mais de sessenta anos de vida pública.

E, mais do que tudo, agradeço por ele estar conosco, com saúde e plena atividade. E rogo para que assim permaneça por muitos anos.

Feliz Aniversário, Roberto Carlos.
 

quinta-feira, dezembro 17, 2020

A última entrevista de Clarice Lispector

 

No centenário de Clarice Lispector, uma das mais importantes escritoras brasileiras – pouco importa ter nascido na Ucrânia –, vale a pena ver a única entrevista concedida por ela em vídeo. Quando assisti pela primeira vez, há alguns anos, fiquei deveras impressionado.

Lispector sempre passou a imagem de uma jovem senhora sisuda, quiçá antipática. Contudo, a entrevista desfaz totalmente a impressão equivocada. 

De fato: ela praticamente não ria. Mas só porque era tímida. E era também simples. Sincera. Um tanto melancólica. E muito, muito sábia.

Aliás, sem saber do câncer no útero que a levaria à morte dez meses da entrevista, a escritora, em um determinado momento, declarou:

— Só estou triste porque estou cansada.

Em um trecho bastante interessante, a autora de "A Hora da Estrela" afirma:

— Eu não sou uma profissional. Eu só escrevo quando eu quero. Eu sou uma amadora e faço questão de continuar sendo amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever. 

Outra curiosidade: ela revelou que, nos intervalos entre um projeto e outro, ela se sentia "morta". E soando inegavelmente profética, declarou:

— Bom, agora eu morri. Mas vamos ver se eu renasço de novo. Por enquanto eu estou morta. Estou falando do meu túmulo.

Nos bastidores, solicitou ao repórter Júlio Lerner que a entrevista só fosse divulgada após a sua morte. Foi atendida.

Sua obra, todavia, continua viva. E sempre conquistando novos e entusiasmados leitores.


40 anos sem John Lennon

 

08 de dezembro de 1980: embora eu fosse uma criança em fase pré-escolar, lembro com nitidez do dia em que John Lennon morreu. Incrível como certos eventos nos marcam para sempre. 

Sempre tive restrições à pessoa de Lennon – embora a última entrevista tenha mostrado um indivíduo bastante sereno; é provável que o nascimento do segundo filho tenha feito bem a ele. Mas o compositor é inconteste. 

Tem feito muita falta nos últimos 40 anos.


terça-feira, maio 05, 2020

Aldir Blanc (1946 — 2020)


Falecido ontem, aos 73 anos, o carioca Aldir Blanc figurava indiscutivelmente entre os cinco melhores letristas brasileiros. Conhecido especialmente pelas parcerias com João Bosco — várias delas imortalizadas na voz de Elis Regina —, Blanc foi coautor de sucessos de Nana Caymmi, Leila Pinheiro, MPB-4 e Roupa Nova, entre outros. 



Parceria com Cristóvão Bastos, “Resposta ao Tempo” é a faixa-título do álbum lançado por Nana Caymmi em 1998 — e uma das mais belas gravações da cantora. Naquele mesmo ano, foi a música-tema da minissérie Hilda Furacão.


 

Em 1996, Leila Pinheiro gravou um disco inteiro com composições de Guinga e Aldir Blanc. A faixa-título, Catavento e Girassol retrata, com rara sensibilidade e pitadas do mais fino humor, um casal que não tem absolutamente nada a ver um com o outro. Uma obra-prima.


 

Era de Aldir Blanc a autoria da letra de A Viagem, uma das mais tocantes gravações do Roupa Nova, interpretada magistralmente pelo vocalista/baterista Sérgio Herval. Música-tema da novela homônima [1994], a canção fala sobre um amor que desafia planos existenciais. 





Blanc também escreveu os versos de outro grande sucesso do Roupa Nova: Coração Pirata”. Violões, cordas e um refrão pungente asseguram o tom épico da faixa, que integrou a trilha sonora da novela Rainha da Sucata.




Dois pra Lá, Dois pra Cá foi uma das mais marcantes composições de João Bosco e Aldir Blanc gravadas por Elis Regina. Pasmem: um bolero que, sem pudor algum, cita La Puerta no final. A letra é cinematográfica: em meio a um porre de whisky com guaraná, a protagonista lembra da noite em que dançou com o seu amado, apesar do incômodo de um torturante band-aid no calcanhar.




Dentre todas as parcerias de João Bosco e Aldir Blanc gravadas por Elis Regina, O Bêbado e o Equilibrista” foi, sem dúvida alguma, a mais emblemática. A interpretação da Pimentinha potencializa a carga emocional dos versos que retratam o período em que a canção foi lançada — 1979, seis meses antes da promulgação da Lei de Anistia.