quarta-feira, junho 28, 2006

Você tira o chapéu para Marisa Monte?


Marisa Monte é algo ímpar nesse País. Goste-se ou não dela, a cantora é um dos raros casos de música com grande apelo comercial, porém realizada com enorme critério. Marisa foi capaz de compor e gravar uma canção cujo refrão repete como um mantra a frase "Amor I Love You" (sem que isso soasse banal), incluindo a narração de um trecho do belo romance O Primo Basílio, de Eça de Queiroz (sem que isso parecesse pernóstico)... e que estourou em todas as FMs.

Inegavelmente, Marisa é uma artista de coragem: em tempos de retranca criativa - onde requentar parece ser mais cômodo do que elaborar um novo cardápio - a cantora lança não um, mas dois CD's, vendidos separadamente. E ambos com repertório inédito. São eles: Infinito Particular e Universo Ao Meu Redor, que saem pela Phonomotor, selo de Marisa (com distribuição pela EMI), seis anos após o seu último de inéditas, o bom Memórias, Crônicas e Declarações de Amor (sem contar o brainstorm pop-concreto gravado com os Tribalistas em 2002).

Sintomaticamente, os trabalhos têm perfis bastante distintos, mas sem que isso traga qualquer indício de esquizofrenia - Marisa sempre trafegou com desenvoltura por territórios variados. Desde a parte gráfica, fica clara a diferença entre ambos: Universo... investe numa estética algo psicodélica; enquanto o seu correlato possui uma capa totalmente preta.

Infinito Particular é um CD com vocação pop, porém longe da obviedade. Não há nenhuma "Beija Eu" aqui - as músicas são reflexivas, intimistas, com um clima que eventualmente lembra Portishead. As melodias são bonitas, com destaque para a música de trabalho "Vilarejo" e as belas "Pra Ser Sincero" (que já foi parar na trilha da nova novela global das sete) e "Levante". Trata-se, enfim, de um trabalho honesto, bem-cuidado - como de praxe em se tratando de Marisa - mas, sinceramente, nada que vá revolucionar a música brasileira.

Já Universo Ao Meu Redor é um disco de samba, coerente com o trabalho que Marisa gravou com a Velha Guarda da Portela em 2000 - além de suas boas incursões no gênero ao longo da carreira. Mas engana-se quem, à primeira impressão, pensar que se trata de um álbum coberto de bolor. Absolutamente. Ainda que respeitosa para com a tradição, Marisa consegue imprimir uma aura de contemporaneidade ao CD. Produzido por Mário Caldato Jr., Universo... possui elementos incomuns em discos tradicionais de samba: um efeito na voz aqui, um slide ali, cordas acolá. Muito interessante. Em "Statue of Liberty", "Satisfeito" e "Meu Canário", insólitos efeitos eletrônicos criam uma amálgama inusitada. E em vários momentos do álbum surgem timbres de teclados que JAMAIS seriam ouvidos em um CD de qualquer cantora de samba da qual você se lembre nesse exato instante.

A afinação e o timbre agradabilíssimo de Marisa dispensam comentários. E o repertório - entre antigas pérolas de D. Ivonne Lara, Paulinho da Viola e inéditas autorais totalmente conectadas com a proposta - mantém alto o nível da conversa. Enfim, um trabalho que regozija os apaixonados pela boa MPB.

Tudo bem, alguns chatos podem dizer que Marisa Monte realizou anteriormente trabalhos superiores a esses (como o ótimo Verde Anil Amarelo Cor De Rosa e Carvão, 1995, onde a cantora gravou Velvet Underground e Jorge Ben, sem perder a unidade). Contudo, só pelo arrojo da atual empreitada, ela já merece as congratulações.

Para ela, eu tiro o chapéu.