segunda-feira, agosto 29, 2011

Da série ‘Polaroides do Rio’: o acidente no bondinho de Santa Teresa


O acidente no bondinho de Santa Teresa, ocorrido no sábado, 27, indignou-me duplamente. Primeiro, sem dúvida, pelas — até o momento — cinco vítimas fatais e 54 feridos na tragédia. Segundo, pela mancha (de sangue) em um dos mais tradicionais cartões-postais da cidade.

O bondinho funciona há 115 (!) anos. E é até compreensível o seu aspecto “vintage” — que, verdade seja dita, lhe confere um certo... charme, digamos assim. Entretanto, isso não é desculpa para a má conservação e a falta de manutenção do veículo, que visível para todos — tanto usuários quanto moradores do bairro. Some-se a isso a constante superlotação da atração, e temos aí uma “catástrofe anunciada”.

Sendo assim, fica no ar a pergunta: a partir de agora, quem terá coragem de passear naquele bondinho?

Ou será que a omissão das autoridades (in)competentes seria uma forma (desumana) de “justificar” a privatização do bondinho, o que certamente aumentaria o valor do bilhete, dos irrisórios R$ 0,60 atuais, para R$ 36,00 ou R$ 53,00 — preços do ingressos para o Trenzinho do Corcovado e para o bondinho do Pão de Acúçar, respectivamente. Desta forma, teríamos mais um ponto (na acepção da palavra) turístico — que, a exemplo dos dois citados, não estaria ao alcance de todos os cariocas e/ou residentes na cidade... 

É lamentável que o Poder Público esteja entregue a pessoas tão pouco comprometidas com a segurança e o bem-estar da população. A sorte é que todos eles passam. Todos.  

Mas o Rio de Janeiro fica.


Ouça a brilhante versão de João Bosco para “Rio de Janeiro (Isto É o meu Brasil)”, de Ary Barroso:


Força, Ricardo Gomes

A vida de um ser humano está, obviamente, muito acima de preferências futebolísticas. Sendo assim, o TomNeto.com se solidariza com os familiares de Ricardo Gomes [foto], que sofreu um AVC ontem, no segundo tempo da partida entre Flamengo e Vasco, no Engenhão. 

E deseja o rápido restabelecimento do técnico cruzmaltino.


***


É importante frisar que alguns idiotas — sim, idiotas —, que gritaram “vai morrer, vai morrer”, no momento em que a ambulância entrou no campo para levar Gomes ao hospital, não representam, em hipótese alguma, a Nação rubro-negra. Inclusive, houve um início de tumulto, logo controlado pela Polícia Militar, envolvendo (os verdadeiros) torcedores do Flamengo, que se revoltaram com esta minoria.

(Da mesma forma, tenho certeza absoluta de que aqueles que, em 1992, se divertiram — criando até uma paródia — quando uma grade da arquibancada do Maracanã cedeu, matando sete torcedores do Fla, também não são dignos representantes da torcida vascaína.)

Pasmem: houve quem tentasse justificar a atitude deplorável de ontem, afirmando tratar-se de “uma brincadeira”. 

A que ponto chegamos...

Da série ‘Frases’: Mario Quintana

Todos estes que aí estão
atravancando o meu caminho,
eles passarão.


Eu, passarinho!


O “Poeminha do Contra”, de autoria do brilhante poeta gaúcho Mario Quintana (1906 — 1994), é uma espécie de “mantra” para mim: tudo o que é ruim, passa. E sempre passará. E eu, “passarinho”.



sábado, agosto 20, 2011

Da série ‘São Bonitas as Canções’: ‘Querido Diário’, de Chico Buarque


Finalizadas as gravações de Chico, o novo álbum de Chico Buarque [foto], o artista decidiu que o álbum teria somente nove canções:

— Eu já havia feito um disco com nove músicas anteriormente, o Almanaque [de 1981]. Aí, lembrei da Ana Carolina, que gravou um assim [N9ve, de 2009]. E li que o Radiohead também [The King of Limbs, lançado este ano]. Então, fiquei tranquilo. Só que, “aos 45 do segundo tempo”, acabou surgindo mais uma faixa.

A “temporã” em questão é a modinha-de-viola “Querido Diário”, que, curiosamente, acabou sendo escolhida para abrir os trabalhos. Originalmente, tratava-se de um coco de versos bastante simples, composto em homenagem a duas de suas netas, Lua e Lia: “Lua, olha a Lia / Lia, olha a lua / no Japão / café com pão / vamos bater o coco, Tereza”.

Na gravação definitiva, apenas a melodia da cantiga foi preservada, na introdução. Mas a letra da canção em si foi conduzida para outra direção — nem um pouco pueril.


***


Primeira faixa de trabalho de Chico, “Querido Diário” fala, como o título entrega, das anotações de alguém no próprio diário. Contudo, em se tratando de Chico Buarque, não seria tão simples assim. 

Logo após o seu lançamento, a canção causou alguma polêmica com o trecho: “Amar uma mulher sem orifício...”. Houve que o classificasse como “o pior verso da MPB”.

Analisado isoladamente, o verso, de fato, soa estranho. Contudo, dentro do contexto no qual está inserido, faz todo o sentido. Quando Chico canta “Hoje pensei em ter religião / de alguma ovelha, talvez, fazer sacrifício / por uma estátua ter adoração / amar uma mulher sem orifício”, faz uma crítica (velada) a uma certa... hum, “irracionalidade” das religiões, que vem de tempos imemoriais. 

Exemplo: antigas civilizações que sacrificavam animais em devoção às suas “divindades”, etc...



Chico Buarque e a internet


Dentre todos os vídeos disponibilizados no site www.chicobastidores.com.br, o de maior repercussão provavelmente foi o que mostra Chico Buarque [foto] comentando a sua relação com a internet. Às gargalhadas, o compositor revela:

— O artista acha que é amado. Faz shows, é aplaudido, coisa e tal. Quando sai na rua, recebe o carinho das pessoas. Até o dia em que entra na internet, para ler o que as pessoas dizem sobre ele. E descobre que é odiado.



Aos artistas que não chegam ao joanete (bem, sei lá se ele tem joanete...) de Chico Buarque — e que, no entanto, se deixam inflar pela arrogância , fica a dica: aprendam, caríssimos. Fair Play é isso:



Veja também a curiosa versão “cantada” do vídeo acima:



Já o vídeo abaixo mostra o artista às voltas com o computador. Alguém recomenda: “Chico, é só você fechar o browser”. E ele retruca, confuso: “Fechar quem?”


‘Desconstruindo’ Roberto Leal


Exibido pelo canal português RTP 1, o programa Último a Sair foi uma (bem bolada) sátira aos ridículos reality shows, que infestam as televisões de boa parte do planeta. Todas as ações dos participantes do suposto game eram guiadas por um script — exatamente como muitos suspeitam que os BBBs e seus correlatos, no fundo, sejam. 

E foi nesta atração que o cantor Roberto Leal [foto] decidiu, por alguns momentos, se “desconstruir” por completo. Conhecido por vestir-se sempre de branco e por falar muito em Deus, o cantor de “Arrebita” e “Carimbó Português” apareceu como (certamente) Portugal e Brasil jamais viram. 

Irreconhecível, o artista, de 59 anos, fingiu ter um “surto psicótico”, provocado pela ingestão de chá de cogumelo. Durante o “ataque de fúria”, mostrou um semblante amedrontador, quebrou o violão, dançou alucinadamente e, no fim... teve uma crise (fake) de choro, diante da imagem de Nossa Senhora de Fátima. Detalhe: tudo isso ao som de “Firestarter”, do Prodigy (!).   

Roberto Leal acabou sendo o “vencedor” de Último a Sair — na verdade, a produção já sabia, antes mesmo do início do programa, quem seriam os dois finalistas. E a “desconstrução” de sua imagem deu resultado: a carreira de Leal deu um descomunal salto em Portugal, conquistando milhares de fãs, principalmente, entre os jovens (!) lusos.

Atualmente, seu mais recente CD, Raiç/Raiz, editado em 2009, ocupa a segunda colocação entre os mais vendidos daquele país.



Sobre ‘Firestarter’, do Prodigy



Faixa lançada no (ótimo) The Fat Of The Land [no detalhe, a capa do álbum, de 1997], dos ingleses do Prodigy [acima], “Firestarter” — a canção-tema do “surto” de Roberto Leal — foi apontada por uma pesquisa publicada há alguns anos como “a música mais tocada em acidentes de trânsito”. Ou seja, o cara coloca isso para tocar e... acaba batendo com o carro. 

Hum, por que será?



segunda-feira, agosto 08, 2011

O dia em Chico Buarque foi ‘cabo eleitoral’ de Fernando Henrique Cardoso

Apesar de ter dado o seu “apoio entusiasmado” a Dilma Rousseff nas últimas eleições para presidente — e ser um adepto fervoroso do chamado “Lulo-petismo” — Chico Buarque, pasmem, já pediu votos para... Fernando Henrique Cardoso [foto].

Em 1985, quando FHC disputou a prefeitura de São Paulo, Chico não somente engajou-se na campanha, como cedeu uma de suas canções. A letra do samba-enredo “Vai Passar”, lançado no ano anterior, recebeu uma “adaptação” — onde se referia ao então adversário de Fernando Henrique, Jânio Quadros, como “fujão” — que foi regravado pelo próprio compositor de “Apesar de Você”.

Antes disso, em 1978, Chico compôs o jingle da candidatura de Fernando Henrique ao Senado.


***


No fundo, no fundo, Chico deve nutrir, até os dias de hoje, um carinho todo especial pelo ex-presidente. Em janeiro deste ano, o artista concedeu uma entrevista ao jornal espanhol El País, na qual elogiou as diretrizes econômicas do governo FHC:

— Os méritos também são os fundamentos da política econômica que começou com Fernando Henrique Cardoso. Esta era a chave — sem a qual não teria sido possível avançar. Toda essa transformação foi levada a cabo com as regras do capitalismo, para criar uma riqueza que devia ser distribuída. Alguns esquerdistas podem pensar que não foi suficientemente humanitário. Mas ninguém pode negar que foi o mais inteligente.

Para ler a entrevista, na íntegra, basta clicar aqui:




Da série ‘Frases’: Nelson Rodrigues

Nada ofende mais do que o benefício. Nada agride mais do que o favor. A vida é a arte de não fazer favores.”

Além de dramaturgo, jornalista e escritor, o pernambucano Nelson Rodrigues [foto] (1912 — 1980) foi um frasista nato, capaz de “tiradas” absolutamente geniais.



‘Respeita’ Luiz Gonzaga, o Rei do Baião

Mesmo não sendo um baião legítimo, ‘Tipo um Baião’ traz a influência do gênero no qual Luiz Gonzaga foi rei — por sinal, o Velho Lua é citado no final da canção.”

(“Chico Buarque: tal qual um bom livro”, agosto de 2011)


Luiz Gonzaga [foto] (1912 — 1989), o Rei do Baião, foi um dos mais importantes e originais artistas já surgidos na música brasileira. Ninguém cantou o Nordeste do Brasil com a propriedade e a poesia do Velho Lua.

Ao longo de sua extensa carreira, gravou mais de quarenta (!) discos. Além de exímio acordeonista, foi um melodista inventivo, que imprimiu no imaginário popular gemas como “Respeita Januário”, “Qui Nem Jiló”, “A Vida do Viajante” e “Baião”, entre outras. 

Sem contar, é claro, o clássico “Asa Branca”, o hino do retirante nordestino, já gravado por nomes que vão de Caetano Veloso a Lulu Santos [no detalhe, prestando, em 1986, a devida reverência a Gonzagão].





Veja o vídeo de “A Vida do Viajante”, com o próprio Luiz Gonzaga...



...e ouça também a versão de Gilberto Gil de “Qui Nem Jiló”, extraída do álbum As Canções de Eu, Tu, Eles, de 2000:


Ronaldinho Gaúcho: cruzamento ‘com a mão’

Um amigo meu — que torce para o Fluminense, é sempre bom frisar — me disse o seguinte sobre o solitário tento do Flamengo sobre o Coritiba, em partida realizada no sábado, 06, no Engenhão:

— O juiz tinha que ter marcado falta a favor do Coxa no lance do gol do Flamengo — o Ronaldinho Gaúcho cruzou com a mão!





terça-feira, agosto 02, 2011

Ney Matogrosso completa 70 anos



Desde o início de sua (respeitável) trajetória, ainda como vocalista dos Secos e Molhados, Ney Matogrosso [foto] tem caracterizado a sua carreira pela constante fuga do óbvio.

Durante os chamados “anos de chumbo”, ainda que as letras de seu repertório não trouxessem necessariamente críticas sociais — como as de Chico Buarque e Gonzaguinha, por exemplo —, foi contestador à sua maneira. Certa vez, declarou que “rebolava para chocar os censores”.

De lá para cá, foi o responsável pelo sucesso do Barão Vermelho — ao regravar “Pro Dia Nascer Feliz”, do segundo disco do grupo carioca; gravou um estupendo recital ao lado do genial violonista Raphael Rabello; e debruçou-se sobre as canções de Heitor Villa-Lobos, de Ângela Maria, do já mencionado Chico Buarque e de Cartola. Enfim, sempre surpreendeu.

Dono de um estilo ímpar de cantar e se apresentar, Ney Matogrosso chega aos 70 anos de idade — completados ontem, 01 de agosto — em plena forma vocal e física. E em franca atividade artística. Longa vida a ele.


Leia também




Ouça “Promessas Demais”, de Zeca Barreto e Moraes Moreira sobre poema de Paulo Leminsky. Lançada no álbum Mato Grosso, de 1982, trata-se de um primor de melodia, letra e arranjo — que vai do plácido ao vibrante com igual desenvoltura. Foi tema de abertura da novela Paraíso, de Benedito Ruy Barbosa, exibida naquele mesmo ano. E, muito provavelmente, é a minha faixa predileta do artista.

 

segunda-feira, agosto 01, 2011

Chico Buarque: tal qual um bom livro


CD
Chico (Biscoito Fino)
2011


A música do compositor carioca torna-se cada vez mais minuciosa. Talvez por influência de sua... literatura


Nos últimos anos, Chico Buarque tem alternado sua atuação entre a música e a literatura. Após um disco de inéditas, invariavelmente sai em turnê — que acaba gerando CD/DVD ao vivo —, e recolhe-se para escrever mais um romance — o mais recente foi (o ótimo) Leite Derramado [2009]. Portanto, mantendo a “tradição”, o artista volta à ribalta, cinco anos após o seu último álbum de estúdio, Carioca, com um novo trabalho, intitulado simplesmente... Chico

Amparado por uma inteligente estratégia de marketing, concentrada no site www.chicobastidores.com.br — que disponibilizava conteúdo exclusivo para aqueles que adquiriam a bolacha ainda em fase de pré-venda —, Chico chega às lojas com boa visibilidade, mesmo em tempos de downloads ilegais. Este é o terceiro título do artista pela gravadora Biscoito Fino.

Faixa que abre os trabalhos — e também a primeira música de trabalho —, a modinha “Querido Diário” chama a atenção pelo sabor algo... interiorano. Entretanto, ao mesmo tempo, remete o ouvinte à cordialidade típica do Rio antigo. A letra é clara: é como se alguém estivesse fazendo anotações do próprio cotidiano em um diário. Mas não deixa de causar certa estranheza com o verso “amar uma mulher sem orifício”, que faz uma crítica velada a uma certa... digamos, “irracionalidade” das religiões — que vem praticamente desde o início da história da Humanidade...

Rubato” — que significa, em italiano, “roubado” — é, na linguagem musical, o termo utilizado para designar a aceleração ou desaceleração do tempo de execução de uma peça. Ou seja, o intérprete “rouba” um pouco do tempo de algumas notas e o compensa em outras. É também o título da simpática (e espirituosa) marchinha composta em parceria com o baixista Jorge Hélder, cuja letra menciona três musas com nomes que rimam entre si: Aurora, Amora e Teodora. Entretanto, o título não é gratuito. Na letra, o compositor revela seu temor: “Venha, Aurora, ouvir agora / a nossa música / depressa, antes que um outro compositor me roube”. E, em contrapartida, assume: “Venha ouvir, sem mais demora / a nossa música / que estou roubando de outro compositor”. 

Moral da história: na arte, ninguém parte do zero.

Com um discreto acento blues, “Essa Pequena” fala claramente do relacionamento entre um homem maduro e uma mulher mais jovem: “Meu tempo é curto / o tempo dela sobra. (...) / Feito avarento, conto os meus minutos / cada segundo que se esvai”. Mas, no final, o eu-lírico se conforma: “Sinto que ainda vou penar com essa pequena, mas / o blues já valeu a pena”.


Parceria com João Bosco, ‘Sinhá’ é a letra mais instigante

Mesmo não sendo um baião legítimo, “Tipo um Baião” traz a influência do gênero no qual Luiz Gonzaga foi rei — por sinal, o Velho Lua é citado no final da canção. Como o título entrega, é... “tipo um baião”. Igualmente gracioso é o dueto de Chico com Thaís Gulin em “Se Eu Soubesse”, já gravada pela cantora curitibana, com a participação do autor, em Ôôôôôôôô, seu segundo álbum, lançado este ano. Já a (bela) “valsa russa” “Nina” ilustra o romance virtual de um brasileiro com uma moça... moscovita: “Nina anseia por me conhecer em breve / me levar para a noite de Moscou. / Sempre que esta valsa toca / fecho os olhos / bebo alguma vodca / e vou...”

Parceria com Ivan Lins — e já gravada por Diogo Nogueira —, “Sou Eu” ressente-se pela participação do veterano baterista Wilson das Neves, totalmente inexpressivo como intérprete. Melhor resultado é obtido em outro samba do álbum, “Barafunda”, cuja letra fala das difusas recordações do autor de “O que Será? (A Flor da Terra)” e cita Cartola, Garrincha, Zizinho, Pelé e... Mandela.

O provável ponto alto de Chico é a delicada “Sem Você nº 2”. Inspirada na pérola de Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes — que, além do título, é citada na introdução —, possui versos... capciosos: “Sem você, o tempo é todo meu / posso até ver o futebol (...). / Sem você, é um silêncio tal / que ouço uma nuvem a vagar no céu / ou uma lágrima cair no chão. / Mas não tem nada, não”.

Contudo, a letra mais instigante do disco é justamente a da última faixa. Composta em parceria com João Bosco — e com a participação do próprio no violão e nos vocais —, “Sinhá” é samba de nítidos matizes africanos, que narra a estória do velho escravo que está sendo castigado, sob a acusação ter visto nua a “sinhá” que batiza a canção. “Por que talhar meu corpo? / Eu não olhei Sinhá. / Para que que vosmecê / meus olhos vai furar? / Eu choro em iorubá / mas oro por Jesus. / Para que que vassuncê / me tira a luz?”.

Em dez faixas que totalizam apenas 31 minutos de música, Chico, o disco, dá o seu “recado” de maneira concisa. Atualmente, a produção de Chico, o compositor, é desapegada dos “apelos” da música popular: refrões fáceis, etc. Ao contrário: é minuciosa, concentrada. Para ser apreciada sem pressa. Tal qual um bom livro — por influência, presume-se, de sua recente (e proveitosa) proximidade com a literatura. 

Chico está no mesmo nível de trabalhos anteriores do artista, como os (excelentes) Paratodos [1993] e As Cidades [1998]. E possui melhor aproveitamento do que o seu antecessor, o bom Carioca [2006]. Em suma: trata-se de um trabalho de Chico Buarque — com tudo o que isso significa. E não é à toa que ele é chamado de gênio.



Leia também:







Ouça “Querido Diário...




...e “Sem Você nº 2:

 

Thaís Gulin, a ‘moça de cabelo cor-de-abóbora’

Em seu primeiro CD, epônimo, lançado em 2007, Thaís Gulin [foto] gravou duas canções de Chico Buarque: “Hino de Duran” e a pouco conhecida “Lua Cheia”, parceria com Toquinho. Recebeu um e-mail do compositor, parabenizando pelas versões. E confessa que chorou de emoção.

Mantiveram o contato via web até se conhecerem pessoalmente. Quando a curitibana começou a gravar o seu segundo disco, Ôôôôôôôô, Chico presenteou-a com uma inédita, “Se Eu Soubesse”. Inclusive, gravou-a junto com Thaís.

Em seu novo álbum, Chico, o autor decidiu também registrá-la — e convidou a cantora, de 31 anos, para repetirem o dueto. 

Na infância, curiosamente, Thaís não gostava da música de Chico Buarque:

— Eu tinha agonia dele porque ficava ouvindo suas músicas no carro com a minha mãe. E achava aquilo triste, “pesado”. Mas ela sempre negociava: uma do Balão Mágico e outra do Chico.

Recentemente, surgiram na imprensa rumores de que Chico e Thaís estariam namorando. Eles não confirmam. Tampouco desmentem. Preferem “não comentar o assunto”. No que, aliás, estão certíssimos — que satisfação devem a alguém?

Contudo, por coincidência — ou não —, a letra da terceira faixa do supracitado Chico, “Essa Pequena”, fala em uma moça de “cabelo cor-de-abóbora”.

Justamente a cor das melenas da ruiva Thaís...



Ouça a versão de Se Eu Soubesse, com Chico Buarque e Thaís Gulin, de Ôôôôôôôô, segundo disco da cantora:

Da série ‘São Bonitas as Canções’: ‘Sem Você’, de Tom e Vinicius



O provável ponto alto de Chico é a delicada “Sem Você nº 2”. Inspirada na pérola de Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes...”

(“Chico Buarque: Tal Qual um Bom Livro”, agosto de 2011)


Sem Você” foi gravada pela primeira vez em 1959 (!), por Sylvia Telles [à esquerda], em seu belíssimo álbum Amor de Gente Moça, inteiramente dedicado às canções de Antonio Carlos Jobim.

Chico Buarque jamais escondeu o seu apreço por esta canção. Tanto que a gravou duas vezes: a primeira, acompanhado pelo próprio Jobim ao piano, no Songbook Vinicius de Moraes, de 1993; e a segunda, no duplo Chico ao Vivo, de 1999, como homenagem ao Maestro Soberano, que falecera cinco anos antes.

— No trecho em que canto “sem você”, estou me referindo a ele. “Você”, no caso, é ele, o Tom.



Veja o vídeo de “Sem Você”, com Chico Buarque e Antonio Carlos Jobim, extraído de um especial exibido pela Rede Bandeirantes em 1993: