terça-feira, abril 23, 2013

Da série ‘São Bonitas as Canções’: ‘Something’, com Paul McCartney e Eric Clapton



A participação de Eric Clapton em duas faixas do trabalho mais recente de Paul McCartney, Kisses On The Bottom — guitarra solo em “Get Yourself Another Fool” e violão de nylon na estupenda “My Valentine” —, não foi a primeira colaboração entre as duas lendas [no detalhe].

Em 1968, Clapton gravou o (lancinante) solo de “While My Guitar Gently Weeps”, composição de George Harrison, lançada pelos Beatles no chamado Álbum Branco. E em 2002, no histórico Concert For George — que homenageava o autor de “Here Comes The Sun”, que falecera um ano antes —, a dupla executou uma versão fantástica de “Something”* , faixa de Abbey Road, de 1969.

Acompanhado apenas pelo ukelele — uma espécie de cavaquinho —, Paul inicia a canção, evocando a singela versão que fazia parte do roteiro de sua turnê Driving Rain. Somente na segunda parte entram Clapton e a banda, com um arranjo absolutamente fiel à gravação original. 

Sem exagero: o momento em que McCartney faz uma terça de voz para Clapton é provavelmente um dos mais belos e intensos de toda a história do pop. Uma verdadeira pororoca de gênios.



* Curiosidade: Frank Sinatra, que também regravou “Something”, se referia (equivocadamente) à canção como “a mais bela composição de Lennon e McCartney”.




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Veja o vídeo da (maravilhosa) versão de “Something” do Concert For George:


Da série ‘São Bonitas as Canções’: ‘Autumn Leaves’, com Eric Clapton




A exemplo do que fizera em seu álbum anterior, Clapton volta a resgatar standards como ‘The Folks Who Live On The Hill’ e a magistral ‘Our Love Is Here To Stay’, de George Gershwin, que fecha o álbum.”




A admiração de Eric Clapton pelos clássicos americanos vem de longa data. Ao longo de sua trajetória, Clapton regravou, entre outras, “Smile”, de Charlie Chaplin (incluída na compilação ao vivo Time Pieces Vol. II: Live In The Seventies, de 1983) e “(Somewhere) Over de Rainbow” (na dobradinha CD/DVD ao vivo One More Car, One More Rider, de 2003), tema do filme O Mágico de Oz.

No antecessor de Old Socks, Clapton [no detalhe, a capa], editado em 2010, EC investiu pesado nos standards: “When Somebody Thinks You're Wonderful” e “My Very Good Friend The Milkman” (ambas do pianista e comediante Fats Waller), “How Deep Is The Ocean” (de Irving Berlin), “Rocking Chair” (ótima reflexão de Hoagy Carmichael sobre a velhice, famosa na voz de Louis Armstrong) e “Autumn Leaves”.

Versão da canção francesa “Les Feuilles Mortes”, de 1945, “Autumn Leaves” com seu majestoso arranjo de cordas, é entoada por Clapton como a suavidade de quem conta um segredo ao pé do ouvido. E fecha o álbum com chave de ouro.




Leia também:






Ouça a versão de “Autumn Leaves” de Eric Clapton:



Da série ‘São Bonitas as Canções’: ‘Come Rain Or Come Shine’, com Eric Clapton e B. B. King



A admiração de Eric Clapton pelos clássicos americanos vem de longa data.”

(“Da série ‘São Bonitas as Canções’: ‘Autumn Leaves’, com Eric Clapton”, abril de 2013)



Outro exemplo: a belíssima “Come Rain Or Come Shine”, já regravada por Deus-e-o-mundo — de Frank Sinatra a Ray Charles, passando por Billie Holiday e Sarah Vaughan —, que fecha o álbum Riding With The King, que Clapton editou na companhia de B. B. King [no detalhe, a capa] em 2000.


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Ouça a versão de “Come Rain Or Come Shine” de Eric Clapton e B. B. King:



sábado, abril 20, 2013

Descontados pequenos equívocos, Clapton mostra competência como intérprete e arranjador


CD
Old Sock (Universal Music)
2013



Do alto de mais de meio século de carreira, Eric Clapton deixou, há muito, de ser “apenas” o segundo maior guitarrista de rock de todos os tempos, perdendo apenas para Jimi Hendrix — e talvez dividindo o posto com o seu colega de Yardbirds, Jimmy Page, ex-Led Zeppelin. Com o passar dos anos, Clapton tornou-se um bom arranjador e um intérprete convincente. Ao longo de sua trajetória, regravou canções de Bob Dylan, Stevie Wonder e até Michael Jackson (!), entre outros. E é justamente esta faceta que God quis evidenciar em 21º trabalho solo, o recém-lançado Old Sock, que chega às prateleiras três anos após o seu disco mais recente, o (bom) Clapton.

O título, Old Sock (“meia velha”) foi inspirado em uma expressão que o músico ouviu recentemente de David Bowie. E remete àquela roupa surrada, mas confortável como nenhuma outra — da qual ninguém gosta de desfazer. Esta é justamente a intenção de Clapton com este álbum: apresentar canções alheias que sempre fizeram parte de sua vida.

A bem da verdade, o disco não começa propriamente inspirado, com “Further Up Down The Road”, do bluesman americano Taj Mahal — e com participação do próprio —, em ritmo de reggae. Mahal, por sinal, também colaborou em duas faixas do CD ao vivo que Clapton dividiu com o saxofonista Winton Marsalis em 2011. A canção seguinte, “Angel”, do parceiro de longa data J. J. Cale, autor de “After Midnight” e do hit “Cocaine” — e que participa da gravação — deixa melhor impressão.

Curiosamente, as duas outras notas dissonantes do disco também estão relacionadas ao reggae: nas releituras “Till Your Well Runs Dry”, de Peter Tosh, e “Your One And Only Man”, soul originalmente gravado por Otis Redding. Clapton, aliás, já foi mais feliz ao se aproximar da música jamaicana — como, por exemplo, na regravação de “I Shot The Sheriff”, de Bob Marley. 

De resto, contudo, Old Sock coleciona acertos.



Ao lado de Paul McCartney, Clapton brilha em ‘All Of Me’

Mostrando versatilidade, Clapton se aventura pelo country — “Born To Lose” e o clássico “Goodnight Irene”— e regrava, na companhia de Stevie Winwood no órgão Hammond, “Still Got The Blues”, o maior sucesso solo do ex-guitarrista do Thin Lizzy, Gary Moore, falecido em 2011. A exemplo do que fizera em seu álbum anterior, Clapton volta a resgatar standards como “The Folks Who Live On The Hill” e a magistral “Our Love Is Here To Stay”, de George Gershwin, que fecha o álbum.

A cereja do bolo, entretanto, é “All Of Me”. Retribuindo a “canja” que Clapton deu em duas faixas de seu mais recente trabalho, o ótimo Kisses On The Bottom [2012], Paul McCartney assume o baixo e os backing vocais do clássico norte-americano, em uma versão simplesmente irretocável. E, no sentido de evitar que o disco soasse exclusivamente revisionista, EC incluiu duas inéditas: “Every Little Thing” e a ensolarada “Gotta Get Over”, com participação de Chaka Khan nos vocais.

O íntimo e despretensioso Old Sock provavelmente não figurará na galeria de títulos essenciais da discografia de Eric Clapton. No entanto, descontados os pequenos equívocos, trata-se de álbum marcado pela competência de um músico de múltiplos talentos. E de audição extremamente agradável.



Leia também:








Ouça “Gotta Get Over”, uma das duas inéditas de Old Sock...






...e a versão do standardAll Of Me”, com Paul McCartney no baixo e nos backing vocais:

Da série ‘São Bonitas as Canções’: ‘Reptile’, de Eric Clapton


A admiração Eric Clapton por João Gilberto é pública e notória. Em 2010, João esteve cotado para participar da terceira edição do festival Crossroads, que Clapton realiza a cada três anos. No ano seguinte, quando a sua turnê mundial passou pelo Brasil, revelou aos jornalistas brasileiros o desejo de tocar ou gravar com o papa da bossa nova. Cogitou-se, aliás, que o músico inglês participaria da turnê brasileira que João faria por ocasião de seus 80 anos e que acabou não se concretizando.

Se, por um lado, Clapton ainda não conseguiu materializar a sua tão sonhada aproximação de João Gilberto, por outro, já eternizou, em sua discografia, o seu apreço pela arte do músico nascido na cidade de Juazeiro, na Bahia. Na faixa-título de seu álbum de 2011, Reptile [no detalhe, a capa], o autor de “Layla” gravou um (interessante) tema instrumental que evoca os sons brasileiros — ainda que não escape do lugar-comum da visão “Brazilian Jazz”. Detalhe: Clapton compôs “Reptile” após ter assistido, maravilhado, uma apresentação de João em Londres.

Não foi a primeira vez que Eric Clapton “corteja” a bossa nova. Em 1992, para o seu (bem-sucedido) álbum MTV Unplugged, o mestre das seis cordas compôs e gravou a faixa instrumental “Signe” — que lembra vagamente... “Um Abraço no Bonfá”, de João Gilberto.




Veja o vídeo de “Reptile”, que Eric Clapton regravou na dobradinha CD/DVD One More Car, One More Rider, que registra a sua turnê mundial de 2001. Atenção no longo solo do tecladista David Sancious — que, simplesmente “rouba a cena”:


Da série ‘São Bonitas as Canções’: ‘Signe’, de Eric Clapton




Em 1992, para o seu (bem-sucedido) álbum MTV Unplugged, o mestre das seis cordas compôs e gravou a faixa instrumental Signe — que lembra vagamente... Um Abraço no Bonfá, de João Gilberto.




Ainda que o blues tenha estado muito presente no repertório de seu MTV Unplugged [no detalhe, a capa], Eric Clapton não deixou de arriscar um discreto “flerte” com a sonoridade brasileira na faixa “Signe”, com qual abriu os trabalhos.



Da série ‘São Bonitas as Canções’: ‘Um Abraço no Bonfá’, de João Gilberto




Em 1992, para o seu (bem-sucedido) álbum MTV Unplugged, o mestre das seis cordas compôs e gravou a faixa instrumental  Signe — que lembra vagamente...  Um Abraço no Bonfá, de João Gilberto.




Faixa do segundo álbum de João Gilberto, O Amor, o Sorriso e a Flor, de 1960 [no detalhe, a capa], a instrumental “Um Abraço no Bonfá” é uma das raras composições autorais do inventor da “batida diferente”. E homenageia o compositor brasileiro Luís Bonfá (1922 — 2001), autor de “Manhã de Carnaval”, “Samba de Orfeu” e “Correnteza” (em parceria com Antonio Carlos Jobim), entre outras.

Por sinal, além de diretor musical do disco, Jobim foi o autor de metade das doze canções do trabalho.



sábado, abril 13, 2013

Esbanjando técnica, Biglione relê, ao vivo, Jobim, Bonfá e Charlie Parker


CD
The Gentle Rain — Victor Biglione Trio ao Vivo (Rob Digital)
2013



Ao longo de sua (extensa) carreira, o guitarrista argentino-praticamente-carioca Victor Biglione gravou ao lado de nomes como Cássia Eller, Marcos Valle, Wagner Tiso e o ex-Police, Andy Summers, entre outros. E acaba de lançar o seu trigésimo (!) disco solo, The Gentle Rain, gravado ao vivo.

(Bem) acompanhado por Sérgio Barrozo (baixo acústico) e André Tandeta (bateria), Biglione esbanja técnica em oito fonogramas gravados durante apresentações entre 2000 e 2010 em solo carioca. Com acentuado toque jazzístico, The Gentle Rain apresenta clássicos como “Take Five”, de Paul Desmond, e “Au Privave”, de Charlie “Bird” Parker, além de “Batida Diferente”, de Durval Ferreira e Mauricio Einhorn. 

A faixa-título, composta por Luís Bonfá — parceiro de Antonio Carlos Jobim em “Correnteza” —, foi a música-tema do filme homônimo [1966], que, desde então, recebeu versões de Diana Krall e Tony Bennett, entre outros. O mencionado Jobim, aliás, é o autor mais evidente do álbum — presente em três faixas do trabalho: “Por Causa de Você” (composto com Dolores Duran), “Eu Sei que Vou te Amar” (com letra de Vinícius de Moraes) e “Wave”.

Curiosamente, a capa de The Gentle Rain foi concebida por um artista que, a exemplo de Biglione, também é radicado há muito anos no Rio de Janeiro: o cartunista uruguaio Lan.



Ouça a versão de “Wave” do Victor Biglione Trio:


Livro mostra que Victor Biglione já é ‘de casa’


Livro
O Guitarrista Victor Biglione & a MPB, de Euclides Amaral (Esteio Editora)
2011/2013



Residente no Rio de Janeiro há meio século, Victor Biglione tem a sua proximidade com a música brasileira destrinchada em O Guitarrista Victor Biglione & a MPB, escrito por Euclides Amaral. Com prefácio do compositor Sérgio Natureza e nota do pesquisador Ricardo Cravo Albim, o livro foi editado originalmente em 2011 e recebe agora uma versão revista e ampliada.

Minucioso, Amaral refaz, em 221 páginas amplamente ilustradas — com fotos e partituras —, toda a trajetória profissional de Biglione, nascido em Buenos Aires e torcedor do San Lorenzo, o mesmo time do Papa Francisco I.

Antes de vir para o Rio — onde se estabeleceu em definitivo —, a família Biglione deixou a capital argentina para morar em São Paulo. Mais tarde, o músico transferiu-se para os Estados Unidos, para estudar na Universidade de Berklee, levando debaixo do braço uma carta de recomendação assinada por um certo... Antonio Carlos Jobim.

De volta ao Brasil, o guitarrista passou a acompanhar, em estúdio e apresentações ao vivo, nomes como Chico Buarque, Gilberto Gil, Maria Bethania, Gal Costa e Djavan, entre outros. O Guitarrista Victor Biglione & a MPB não deixa dúvidas: o músico estrangeiro com mais colaborações em shows e gravações de artistas brasileiros já é, definitivamente, “de casa”.

Da série ‘São Bonitas as Canções’: ‘Lígia’, de Antonio Carlos Jobim


Nem todos sabem, mas parte da letra de “Lígia”, clássico de Antonio Carlos Jobim, foi escrita por ninguém menos do que... Chico Buarque. Foi, aliás, o próprio Chico quem revelou, em um entrevista concedida em 1996.

Tendo sido parceiros em outras canções — como “Retrato em Branco e Preto” e “Pois É”, entre outras —, Jobim procurou Chico com a primeira parte da letra de “Lígia” já pronta (“Eu nunca sonhei com você / nunca fui ao cinema / não gosto de samba / não vou à Ipanema / não gosto de chuva / nem gosto de sol”). A segunda parte, contudo, traz nitidamente a “assinatura” do autor de “Vai Passar”: “E, quando eu lhe telefonei, / desliguei: foi engano / o seu nome, não sei. / Esqueci no piano as bobagens de amor / que eu iria dizer”.

E por que Chico não assinou a canção? A explicação é simples: na década de 1970, o compositor enfrentou problemas com a censura imposta pela ditadura militar, que vetava todas as canções suas que eram submetidas ao crivo dos censores. Tanto que, em 1974, decidiu gravar um disco de intérprete: Sinal Fechado [no detalhe, a capa].

No álbum, Chico recebeu uma inédita de Caetano Veloso (“Festa Imodesta”), outra de Gilberto Gil (“Copo Vazio”) e regravou clássicos de Dorival Caymmi (“Você Não Sabe Amar”), Noel Rosa (“Filosofia”) e Paulinho da Viola (a faixa-título). A única composição autoral, “Acorda, Amor”, foi assinada com o curioso pseudônimo de Julinho da Adelaide (!).

Diante de cenário tão adverso, Chico Buarque, apesar de ter sido o primeiro a gravar “Lígia”, preferiu não receber os créditos pela canção — registrada por Jobim somente no ano seguinte, no álbum Urubu.




Veja a versão de “Lígia” que Chico Buarque cantou no (polêmico) Tributo a Tom Jobim, realizado na Praia de Copacabana, em 1995:





Em seu especial global de 1978, Roberto Carlos convidou Antonio Carlos Jobim para que, juntos, cantassem “Lígia”. Com larga experiência como pianista na noite — foi assim, aliás, que começou a carreira —, Jobim improvisou a terceira parte da letra de canção, (aparentemente) surpreendendo Roberto. Com o seu já conhecido perfeccionismo, o Rei, entretanto, insistiu em cantar a versão original. Este fonograma acabou incluído na compilação Duetos, que RC editou em 2006:


Da série ‘Frases’: Chico Buarque




Eu chamava o Tom de ‘Tão*’, e ele falava: ‘O pessoal na roça me chama de Tão, lá em Poço Fundo’...


Em entrevista concedida em novembro de 1996, Chico Buarque relembrou, bem-humorado, o modo como os habitantes de Poço Fundo, local situado no município de São José do Vale do Rio Preto — que fica a 40 minutos de Petrópolis, Região Serrana do Rio —, onde Antonio Carlos Jobim possuía o sítio Beira Rio, se referiam ao Maestro Soberano [no detalhe, os dois parceiros]. 



* Tenho um amigo de longa data, nascido na cidade de São João do Oriente, interior de MG, que só consegue me chamar de “Tão”. Por sinal, só percebi isso há cerca de três anos. E, a bem da verdade, foi precisamente esta curiosidade que acabou ensejando a postagem.