sábado, abril 12, 2014

Da série ‘São Bonitas as Canções’: ‘Tempos Modernos’, de Lulu Santos



Tempos Modernos”, de Lulu Santos, é um caso singular, poucas vezes visto na música pop. Além de ser a faixa-título, é também a música que abre o álbum de estréia do compositor carioca, editado em 1982 [acima, a capa]. E tornou-se, logo de cara, uma das canções mais emblemáticas de sua carreira — daquelas que o artista simplesmente não pode excluir do roteiro de suas apresentações. Ou seja, foi como se Lulu já tivesse chegado “com o pé na porta”.

Rara composição solitária de um período em que Lulu recorria aos préstimos de letristas como Nelson Motta e Fausto Nilo, “Tempos...” possui uma (atemporal) mensagem de esperança* no porvir e no amor — a despeito da “hipocrisia / que insiste em nos rodear”. Esperança que, aliás, sempre se renova — o que ajuda a entender a comoção popular que faixa tem exercido em mais de três décadas, visto que o refrão nem é tão “infeccioso” assim. Nesse quesito, não podemos compará-la, por exemplo, a “Casa”, lançada por músico em 1986.

Tempos Modernos” já foi regravada pelo autor em seus ótimos Acústico MTV [2000] e MTV Ao Vivo [2004]. E também recebeu releituras de Zizi Possi, Marisa Monte, Zé Ramalho, Jota Quest, Ivete Sangalo e da dupla Claudinho e Buchecha, entre outros. O título — vale frisar que a expressão não é mencionada na letra em momento algum — alude ao filme homônimo de Charlie Chaplin, que chegou às salas de cinema em 1936.



Nota: além de ser uma canção da qual sempre lembro quando faço aniversário (afinal, também “vejo a vida melhor no futuro”; nunca fui nostálgico), “Tempos...” também foi a música que coloquei para o meu filho “ouvir”, logo que ele chegou da maternidade. Na ocasião, não me ocorreu nenhuma outra mensagem mais otimista para alguém “recém-chegado ao planeta” do que esta. Anos depois, soube que Herbert Vianna havia feito o mesmo com um de seus filhos — tendo escolhido o clássico beatle “All You Need Is Love” para marcar o momento. 



“...e não há tempo que volte...”



Veja o (raríssimo) vídeo oficial de “Tempos Modernos”, gravado nas cidades mineiras de Ouro Preto e Mariana:

Da série ‘São Bonitas as Canções’: ‘Ternura dos Quarenta’, de Paco Bandeira


Até o prezado momento, apenas as pessoas próximas sabiam: no ano de 1998, morei seis meses em Portugal. E cogitei ficar de vez. Mas acabei regressando. De qualquer forma, posso assegurar: ter contato com costumes tão diferentes dos nossos — e com uma sociedade na qual a cidadania não é mera utopia — modificou o meu modo de ser. Para sempre.

Além de ter me encantado com o país em si, sua gastronomia e a acolhida calorosa a tudo que se refere ao Brasil, fiquei bastante surpreendido com a música popular lusa. Desde então, passei a me perguntar por que, entre outros, cantores como Rui Veloso e Luís Represas são praticamente desconhecidos no Brasil. “O sotaque”, alguém certamente responderia/responderá. Não se iludam com isso: também existem diferenças de sotaque entre britânicos e americanos — e isso jamais impediu o intercâmbio musical entre os dois países.

Sobretudo, devemos considerar — conforme frisei acima — que tudo que é brasileiro é (muito) bem recebido em Portugal. E isso, naturalmente, inclui a música. Entretanto, deixemos esse assunto para outra ocasião...

Um dos artistas que mais chamou a minha atenção — e nem se trata propriamente de um músico pop — foi Paco Bandeira [foto]. Com seu canto suave, quase falado, Paco tem mais de quatro décadas de carreira e inúmeros sucessos, como “Um Livro Chamado Inês”, “Ó, Elvas, Ó, Elvas” (em homenagem à sua cidade natal, situada na região do Alentejo) e, claro, a maravilhosa “Minha Quinta Sinfonia”, que, além de citar Beethoven no título, também menciona, entre outros, Jacques Brel, Frank Sinatra, François Truffaut e Federico Fellini, sem esquecer os brasileiros Vinícius de Moraes, Nara Leão e Antonio Carlos Jobim. Contudo, é impossível não destacar a estupenda “Ternura dos Quarenta”.

Repleto de inspiração, Paco reflete sobre os anos passados (“Foram tantas as idades / da vida que atrás deixei”), relembrando os momentos vividos e desperdiçados (“Tive o tempo e não senti”). Todavia, sua visão não é nostálgica (“Não quero sentir saudade”): a narrativa olha para a frente (“Para seguir viagem / com a coragem que é preciso”).

Dado o lirismo da letra de “Ternura dos Quarenta”, peço, embevecido, licença ao autor para transcrevê-la na íntegra.




Ternura dos Quarenta

(Paco Bandeira)


Quando penso que passei fronteiras de solidão, 
tinha para dar e não dei.
Olhei para trás e pensei:
“Não tenho nada na mão”.

Tive o tempo e não senti. 
Tive amores e não amei. 
Os amigos que perdi 
e as loucuras que vivi 
são tantas que já não sei

quem eu era, 
quem sou eu 
e quem pareço.
Se alguém hoje me espera, 
com certeza que mereço.
Mereço ainda, amor, a tua presença, 
para enfrentar a vida
com a ternura dos quarenta.

Foram tantas as idades 
da vida que atrás deixei. 
Não quero sentir saudades: 
Vou em outras amizades
amar o que não amei.

Os copos que não bebi, 
os discos que não toquei, 
os poemas que não li, 
os filmes que nunca vi, 
as canções que não cantei.

Meus amigos, importante é o sorriso —
para seguir viagem 
com a coragem que é preciso.
Não adianta deitar contas* à vida:
a ternura dos quarenta não tem conta...

Nem medida.


* Deitar contas: fazer planos.



Veja o vídeo de “Ternura dos Quarenta:

Mais do que uma homenagem familiar, um documento da História do País


Livro
Memórias de meu Pai — um Pracinha (Ricardo Pugialli)
2014


Autor de livros com Almanaque da Jovem Guarda e Os Anos da Beatlemania, entre outros, Ricardo Pugialli volta à carga com um trabalho extra-musical. Em Memórias de meu Pai — um Pracinha, o também pesquisador narra a experiência de seu pai, o Sr. Francisco Jayme Domingues Jr., ex-Combatente da Força Expedicionária Brasileira, em Monte Castelo, na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial.

Em 218 páginas fartamente ilustradas — não apenas com fotos, mas também cartas, cartões postais, diplomas e até desenhos —, Memórias... impressiona pelo rigor cronológico: os nove meses no campo de batalha são contados mês a mês (!). E os relatos tristes se misturam a episódios surpreendentemente... engraçados.

Muito mais do que uma homenagem familiar, Memórias de meu Pai — um Pracinha é, inequivocamente, um documento da História do País. E presta um tributo merecido a homens que lutaram pela pátria e, não raro, viram a sua coragem sendo minimizada — e, eventualmente, ridicularizada. Mas que, acima de tudo, sobreviveram para contar: dos 25 mil Pracinhas que foram enviados para o conflito, o Sr. Francisco, 91 anos de idade, está incluído entre os menos de mil ainda vivos.

Da série ‘Frases’: Platão

Quem comete uma injustiça é sempre mais infeliz do que o injustiçado.”

Do filósofo e matemático grego Platão (428/427 a.C. — 348/347 a.C.).