quarta-feira, outubro 14, 2015

Da série ‘Causos’: Luiz Carlos Miele (1938 — 2015)



Há cerca de cinco anos, eu estava saindo do estacionamento de um shopping da zona sul do Rio, quando percebi que conhecia de algum lugar o motorista do veículo cor prata que se encontrava à minha frente. Era o Miele.

Levemente impaciente, ele estava às voltas com o ticket do estacionamento — não conseguia inseri-lo no terminal de jeito nenhum. Quando finalmente a cancela abriu, ele rapidamente engatou a primeira e seguiu em frente. Chegando a minha vez, tive que remover o ticket dele, que havia ficado engatado na máquina.

Luiz Carlos Miele era uma artista completo. Um showman, na acepção da palavra. Atuava. Cantava. Dono de um humor fino, era um exímio contador de histórias, dotado de uma elegância que já não existe nos nossos dias. E, na companhia do também saudoso Ronaldo Bôscoli, produziu espetáculos de artistas do calibre de Roberto Carlos e Elis Regina, entre outros.

Mesmo sendo clichê, é inevitável dizer: com ele, um capítulo importante da história do show business brasileiro se vai. Até hoje, arrependo-me de não ter levado comigo o ticket de estacionamento que ele deixou preso no terminal. Seria uma boa recordação.

Descanse em paz.


terça-feira, outubro 13, 2015

Em ‘Rattle That Lock’, David Gilmour mostra a competência de sempre


CD
Rattle That Lock (Sony Music)
2015


Nove (longos) anos após o excelente On An Island, David Gilmour, ressurge com Rattle That Lock. Nesse hiato, o vocalista/guitarra do Pink Floyd esteve envolvido no lançamento do “canto de cisne” do gigante do rock progressivo, The Endless River, que chegou às lojas em 2014. De qualquer forma, é curioso observar que, apesar de sua extensa carreira. este é apenas o seu quarto álbum solo de estúdio.

Igualmente intrigante é a similaridade entre a apresentação do CD recém-lançado e o anterior. Ambos possuem dez faixas, sendo três instrumentais — e uma delas inicia os trabalhos. Aliás, não há como negar que o conceito de continuidade permeia Lock em sua totalidade.

Ao longo dos anos, Gilmour, 69, desenvolveu um estilo próprio — e inconfundível — de compor, tocar, arranjar e cantar. Sendo assim, fica claro o seu total desinteresse em soar “moderninho” ou algo do tipo. O artista busca apenas realizar com excelência aquilo que sabe — e é evidente que consegue. Ainda assim, há espaço para uma pequena “ousadia”: o (impensável) jazz (!) tipo fim-de-noite “The Girl In Yellow Dress”.

A primeira música de trabalho é justamente a animada — na medida em David se permite soar como tal — faixa-título, assumidamente baseada nas quatro notas que precedem os anúncios comerciais nas estações de trem da França. Já a letra, inspirada em Paraíso Perdido, livro de poemas do século XVII do inglês John Milton, foi escrita pela esposa do músico, Polly Samson. Aliás, Samson foi a responsável por várias letras do penúltimo álbum do Floyd, The Division Bell [1994].

Embora repleto de grandes momentos, como as belíssimas “A Boat Lies Waiting”, “Faces Of Stone” e a otimista “Today” (a segunda faixa de trabalho), Rattle That Lock não supera seu antecessor. Todavia, apresenta a competência habitual de um dos músicos populares mais importantes de todos os tempos — e certamente agradará os fãs de sua antiga banda. Afinal, com todo respeito a Roger Waters, Nick Mason e à memória de Syd Barrett e Richard Wright, podemos dizer que, hoje, David Gilmour é, sim, o Pink Floyd em pessoa.



Veja o vídeo oficial de “Rattle That Lock




...e da pop (!) “Today”:

Da série ‘Discos para se Ter em Casa’: ‘On An Island’, de David Gilmour



“(...) Rattle That Lock não supera seu antecessor.



O terceiro álbum de David Gilmour, On An Island [no detalhe, capa], de 2006, é, disparado, o mais coeso trabalho de sua (escassa) discografia longe do Pink Floyd. Contudo, não se trata de um CD “fácil” à primeira audição. Somente pouco a pouco o ouvinte consegue desvendar toda a sua magia.

Apenas uma faixa emula a sonoridade grandiloquente de sua antiga banda, o vigoroso rock “Take A Breath”. Nas nove faixas restantes, Gilmour optou por uma atmosfera etérea, serena, proporcionando 55 minutos de pura paz de espírito.

Além da ótima faixa-título, os pontos altos são o blues “This Heaven” e as estupendas “The Blue”, “Smile” e “When We Start”, que encerra o CD deixando uma sensação de “puxa mas, já acabou?” Vale frisar que, na instrumental “Red Sky At Night”, David deu-se ao luxo de gravar profissionalmente pela primeira vez como… saxofonista (!).

A resenha de On An Island pode ser conferida aqui. Devo reconhecer que o aprecio muito mais agora do que naquela época.



Veja o vídeo de “On An Island”, que conta com a presença de Graham Nash e David Crosby — que também participaram da gravação original —, extraído do DVD Remember That Night, de 2007:



Veja também o vídeo (gravado ao vivo no lendário estúdio de Abbey Road) da terceira faixa do álbum, “The Blue”, que traz um dos mais estupefacientes solos de guitarra de toda a sua carreira. Observem, no final, o sorrisinho maroto de Gilmour, como se dissesse: “toco muito”