terça-feira, maio 01, 2018

Sting e Shaggy: parceria ‘improvável’ quebrando paradigmas



CD
44/876 (Universal Music)
2018


Um belo dia, Martin Kierszenbaum, produtor de Sting e também empresário de Shaggy, pediu ao astro inglês para gravar os vocais no refrão de uma faixa inédita do cantor jamaicano, a singela “Don't Make Me Wait”. Poucos meses depois, os dois artistas anunciaram não apenas ter finalizado a canção, mas, para surpresa geral… um álbum inteiro (!). Assim surgiu 44/876 — cujo título faz referência aos códigos de discagem de Reino Unido e Jamaica, respectivamente —, disponível em formato físico e nas plataformas digitais desde o dia 20 de abril.

Logo de cara, o CD quebrou dois paradigmas. É a primeira vez, em 33 anos de carreira solo, que Sting divide um trabalho com outro artista. Além disso, com exceção de uma outra faixa desde o fim do Police — como “Love Is The Seventh Wave” (1985) e “All Four Seasons” (1996) —, representa uma volta ao reggae após um hiato de mais de três décadas.

O clima de bom humor e camaradagem exibido pela dupla nos pockets shows e entrevistas de divulgação não parece ser jogo de cena: em “Morning Is Coming”, na irresistível “Gotta Get Back My Baby” e na canção que dá título ao disco (na qual confessa que o fantasma de Bob Marley “o asssombra” até os dias de hoje) fica claro que o baixista entrou, numa boa, na praia de Mr. Boombastic. E, ao se deparar com as 15 faixas da bolacha, o ouvinte só imagina duas hipóteses: a) o autor de “Englishman In New York” teve um surto de criatividade; b) ou decidiu abrir o baú de composições.

Todavia, apesar de ter embarcado no território musical de Shaggy, a assinatura de Sting como compositor aparece com muita nitidez em algumas faixas. “16 Fathoms” e “Crooked Tree”, por exemplo, poderiam muito bem integrar a trilha sonora de The Last Ship, musical idealizado pelo baixista que estreou na Broadway em 2013. As melodias de “Sad Trombone” da bela “22nd Street” evocam a proximidade do músico com o jazz. Da mesma forma, um piano jazzístico pontua a boa “Waiting For The Break Of Day”, cujo verso anárquico “se as leis são perversas / você é forçado a desobedecer” instiga tanto quanto os backing vocais gospel (!) no final da faixa. 

Dreaming In The U.S.A.” é um caso à parte. Pop rock que, do ponto de vista sonoro, destoa do restante do álbum, trata-se de uma declaração de amor aos Estados Unidos e a ícones americanos como Elvis, Sinatra e Marilyn Monroe. Contudo, não deixa de lamentar, implicitamente, a era Trump: “Aguardo o dia em que todos habitaremos uma América melhor”. Curiosamente, entretanto, um dos destaques do álbum não é uma canção autoral. A delicada “Love Changes Everything”, um primor de letra e melodia de Andrew Lloyd Weber, emociona em sua roupagem lovers rock. É a única faixa na qual Sting canta sozinho.

Em resumo, 44/876 é um álbum leve, solar e despretensioso, que tem tudo para agradar tanto aos que acompanham a carreira de Shaggy quanto àqueles que apreciam o Sting mais pop, menos “erudito”. Aliás, ao longo dos últimos 15 anos, o ex-Police tem declarado que “a surpresa é o elemento-chave na música de hoje”. E, sintomaticamente, um novo trabalho dele é sempre muito diferente do anterior. Portanto, se a intenção dele era surpreender o seu público com uma parceria tão “improvável”, o objetivo foi atingido. Não se espantem se ele permanecer em silêncio nos próximos dois, três anos. E reaparecer com algo inesperado.



O vídeo oficial de “Don't Make Me Wait”, primeira faixa de trabalho de 44/876, foi gravado em Kingston, capital da Jamaica. Na companhia de seu novo-amigo-de-infância, o inglês parece estar à vontade: joga sinuca, dominó e ainda bebe uma cerveja Red Stripe. E se diverte em meio às cenas, digamos, calientes, do povão dançando no baile. Vale a pena conferir:

Nenhum comentário: